CONTO ARQUIVADO
Continuação
A uma centena de metros, os mais brincalhões habitantes da floresta, almoçavam lauto banquete: uma refeição gratuita, servida pelo suor dos nativos que, e não só por isso, detestavam a macacada.
O Carlos afrouxou e parou o carro, ensaiando fortes aceleradelas, no intuito de os amedrontar. Os bichos olharam curiosos e, depois de estudarem a situação, continuaram a ladroagem, arrancando á terra, com primata avidez, enormes tarolos de mandioca que devoravam sem cerimónia. Os mais velhos carregavam às costas pequenos filhotes de pêlo azulado, tupilis reguilas, imaturos nos trabalhos de pilhagem.
- Sanica, corre-os a tiro!
O cabo esfregou as mãos contentes, saiu da cabina e....pum!...o macaco mais corpulento tombou, de ventre para o ar, lançando gemidos que confundiram o Carlos. Aquele choro aflitivo tinha qualquer coisa de humano, de súplica desesperada. Com a cabeça entre as patas, como que a rogar clemência, o bicho foi-se virando, lentamente, até que sucumbiu encostado a um ramo de mandioca. Os outros nem vê-los! Haviam fugido para as árvores mais altas e frondosas, onde aguardariam, nervosamente, que os primos, mais inteligentes, mas bem mais maldosos, abalassem.
- Hoje já tens almoço, Sanica!
Este, com um trejeito comprometido, olhou de novo para trás, para a caixa do jeep, onde imaginava já uma negra caçarola bem cheia de saboroso caril de macaco, cozinhado com bastante piri-piri...
- Vou também dar um bocado ao Issufo e ao Jamú! -enquanto acenava com a cabeça na direcção dos dois cipaios que viajavam de pé, na retaguarda, como que prestando honras fúnebres à vitima ensanguentada do seu cabo.
Nem todos os nativos de Moçambique comiam carne de macaco. Faziam-no os macuas, mas, mesmo no seio dessa etnia, só certos nihimos a incluíam no menu.
Porque, até na alimentação, eram diversos os costumes dos numerosos grupos étnicos daquele país. Como o são, adiante-se, as suas crenças, dialectos, personalidade e anseios. Nestes aspectos, Moçambique é uma autêntica manta de retalhos, em que só o espírito de nação, que começa a despontar, e a língua portuguesa são factores de união.
- Ainda falta muito?
- Não, senhor. Depois do rio, além, é mais pouco-pouco. - E o Sanica acompanhava a explicação com um abanar calculista da mão direita, enquanto o sol quente, trémulo de fogo, trepava, apressado e irreverente, pelas vastas escadas do horizonte.
Finalmente, haviam atingido o Lurio. Era um rio pouco caudaloso, mas um viajante longínquo, nascido lá para os contrafortes do Niassa e que deixava, ao passar, uma vegetação luxuriante a embelezar as margens sonhadoras.
Para o atravessar, o Régulo Matico e a sua gente haviam, anos antes, lançado mãos da sua empírica engenharia artesanal: compridos troncos de árvores, dispostos de um lado ao outro do rio, revestidos por esteira, pacientemente urdida por habilidosas mãos, de bambus entrelaçados.
Mas era precisa muita atenção ao efectuar a travessia auto daquela ponte, pois fora idealizada e projectada bem à maneira daquela gente: à exacta medida do carro do administrador e nem mais uns centímetros!...
Ao Carlos, novato naquelas travessias, habituado que estava a outras travessuras, não ocorreu que urgia reduzir a velocidade, para galgar sem problemas os primeiros troncos e...zás, o carro salta, estrebucha, o capô abre-se, corta literalmente a visão....o jeep segue, bate.....e pára!
(Continua em próximo post...)