É bem verdade que já muitos de nós, naqueles desabafos inconsequentes, fomos deitando da boca para fora que estaríamos melhor se o D. Afonso estivesse quietinho, recatado no calor duma lareira lá por Guimarães.
Não passam mesmo disso, inócuos ditaites que nos saem por força da situação económica que nos estrangula a magra bolsa, da leviandade trapalhona dos que nos vão (des)governando.
Sobretudo, por sabermos que os nossos vizinhos atravessam um bom momento, por comparação com os restantes países da União Europeia. O poder de compra, a qualidade de vida dos nuestros hermanos não deixa, com toda a naturalidade, de nos causar alguma inveja e amargos de boca. Especialmente, se nos recordarmos que, até aos anos setenta o panorama era o oposto. Nem o Ti Zé, de qualquer tasca de aldeia do Marão a Monchique aceitava as desvalorizadas pesetas.
Eram outros tempos.
Mas, é evidente, como já diria a minha avó "de Espanha nem bom vento, nem bom casamento...". O que me parece, sim, é que, como eu já referi por aqui, a propósito das "equipas mistas anti-ETA", estamos numa fase de aguda subserviência aos desígnios de Espanha, na vertente política e, em especial, na económica. Tudo fruto duma política governativa que duvido nos leve por bons caminhos...
Seja como for: boa vizinhança, sim. Dependência, nunca!
A propósito desta atoarda do Nobel, lembrei-me de que no meu baú tinha um conto com o título "UNIDADE IBÉRICA"!
Escrito em 1975 (ou 76?), inspirado numa realidade da época, mais não foi do que um conto com simbólicas alusões. Hoje, desajustadas.... só no título. Neste ano da Graça de 2007, poderia ser "Unidade Luso-Brasileira" (rsrsrsrsr....).
"Rezava" assim:
UNIDADE IBÉRICA
"Ondas do mar de Vigo
Se viste o meu amigo!
E ai, Deus, se verrá cedo!"
Sonhos antigos enraizados na cepa comum daquela época dos trovadores vagabundos deste pedaço ibérico, desvaneceram-se na onda de nacionalismo feroz dos antigos obreiros da pátria lusa.
Mas, gerações passaram por sobre os túmulos daqueles réis que tanto espetavam a espada nas costas do vizinho, como lhe defendiam a face quando ameaçados por inimigos comuns.
Portugal/Espanha, Espanha/Portugal...
Era este o tema cómico-futurista que desenvolvia em tagarelice amiga com um velho companheiro, após assistirmos a uma sessão legislativa da assembleia mais séria e pacata do velho continente europeu...
Foi então que ele - que não é o Tony Silva -, fez questão de me presentear com "una historiita", um daqueles contos que não ouvíamos todos os dias no "Pão com Manteiga". Uma historieta impregnada de poético animismo.
Era manhã de verão e o sol, internacional, debruçava-se, sorridente, por sobre a raia alcantilada de Caminha, Quintanilha, Badajoz, Ayamonte... Ao longo da secular fronteira, uma manada de vacas secas, magricelas, de sujo pêlo no costado, roía nas urzes ressequidas da nossa banda, sob as vistas do amargurado pastor, com triste flauta, sem melodia nova.
Mas, eis que um dia, no horizonte d'além - no salero do outro lado -, em apelativa miragem, surge um prado verdejante espraiando-se nos seus olhos famintos....e adeus vaquinhas!...
Foram aquelas, outras se seguiram, para contentamento de "nuestros hermanos", apressados em dependurar-lhes dourados chocalhos ao pescoço, com o número - a marca - bem à vista, não fosse o portuga tecê-las.
E, hoje, gordas e luzidias, chocalham pelos mais remotos currais de Espanha, passeiam-se pela fronteira: de cá para lá, de lá para cá, com o estatuto de vacas peninsulares, fonte de fartos lucros para os astutos ganadeiros, pois, como já explicava o livrinho da 4ª classe, as vaquinhas dão-nos o leite, a pele e a carne....
Dos pastores que por cá ficaram, alguns houveram que, saudosos das suas torinas e seus proventos, as seguiram, receosos que o gado tresmalhasse. E por lá andam, também, zurzindo o varapau, que os lobos do outro lado lhes cobiçam a manada.
Preocupado com o devir da nossa economia, ainda arrisquei saber do meu amigo se, com a adesão de Portugal à C.E.E., as manadas regressariam aos campos do País, mas ele limitou-se a encolher os ombros ignorantes: não podia adivinhar o futuro através das espessas nuvens, provocadas por uma depressão cujo epicentro se situa no coração da Europa, mas que afecta, duma forma muito especial e trágica toda a Península Ibérica.
E retomámos a tagarelice inicial, até que, ao deambularmos pela insegura Avenida da Liberdade, à falta de outro motivo, ficámos de nariz no ar, fitando, por muito, muito tempo, o Marquês de Pombal, na sua majestade granítica, solene e decidida!...