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sexta-feira, 10 de abril de 2009

As trombetas do Apocalipse




A primeira soou, estridente e festiva, nas fachadas da Rua do Ouro. Foi o maestro Vítor Constâncio quem agitou a batuta mediática.
A instituição estatal veio a público vangloriar-se da criação duma base de dados que congrega a informação acerca das responsabilidades de crédito dos clientes de bancos e outras instituições financeiras.
Sem que a medida, em si, mereça qualquer desmerecimento, ficámos a saber que aquelas entidades financeiras têm, a partir de agora, informação privilegiada dos débitos de cada cidadão que recorra ao crédito, uma ferramenta útil que o Banco regulador entendeu colocar à sua disposição.
Nada tendo contra tal iniciativa, justificável, até, tendo em conta o desmesurado endividamento de muitas famílias, cabe-nos interrogar quem, em concreto, dela beneficia. Não é difícil concluir que, mais do que os cidadãos devedores, são os próprios bancos, os especuladores financeiros, as Brancas da Era Contemporânea, quem colherá os melhores frutos da base de dados, precavendo-se do crédito malparado.
Seria bem mais afinado o toque desta trombeta se nos trouxesse a melodia nova de que o Banco de Portugal passou, de modo constante e regular, a fiscalizar, a supervisionar, as actividades das instituições de crédito e junto delas indagasse da legalidade da forma de muitos contratos, das taxas e custos abusivos, nas relações comerciais daquelas para com os seus clientes.
E que não permitisse que os bancos possam prosseguir nas suas actividades especulativas e criminosas como aquelas que era seu mister detectar em tempo útil e não detectou, não permitir e permitiu, por omissão.
Mais do que estes, são os contribuintes deste Estado que devem ser protegidos da voracidade dos glutões financeiros e não, preferencialmente, o contrário, o que, convenhamos, não é perseguido com a tão pomposamente anunciada base de dados dos devedores.

A outra trombeta, lúgubre e trágica, soou por terras de Itália, onde as forças da Natureza que o Homem não domina ainda, nem se prevê venha a dominar, provocaram centenas de vítimas e, numa visão apocalíptica, destruíram vidas e cidades.
Fenómenos naturais, a que não estamos, desgraçadamente, imunes, se recuarmos ao fatídico ano de 1755.
Mas, mais do que me deter nos contornos da tragédia transalpina, é a propósito do tão propalado "desaforo" de Berlusconi ao insinuar que os sobreviventes da catástrofe acolhidos em tendas estariam a passar uns dias acampados.
Caiu o Carmo, a trindade e a Torre de Pisa! Caíram-lhe em cima os comentadores de cá, os de lá, toda a plêiade de iluminados sempre atentos a estes sacrilégios verbais. Que o primeiro-ministro italiano é um homem desprovido de sensibilidade ou energúmeno.
E eu, que não nutro qualquer simpatia ou antipatia por tal personagem, não deixei de reflectir, sobretudo depois de saber do auxílio exemplar e dos meios de apoio que o governo italiano colocou, como era seu dever, ao serviço de apoio às vítimas e, mais uma vez, ter a sensação de que há frases que muita gente não entende ou, intencionalmente deturpa.
O meu entendimento foi de que o homem mais não pretendeu que minimizar o sofrimento dos desalojados, tentando confortá-los ou animá-los com uma "tirada" irónica pouco reflectida e menos conseguida.
É aí que está a diferença entre os que "falam" e os que "fazem". Entre os que "prometem" obra e os que apresentam "obra".
E Berlusconi, pelo que se vai sabendo, na reacção a esta tragédia, falou pouco e mal, mas fez, ao disponibilizar todos os meios de protecção à vítima.
Assim fosse por cá, nesta terras do Atlântico, onde os responsáveis até podem vir para as televisões chorar baba e ranho, em teatrais verborreias solidárias, debitando belas frases e eufemismos de circunstância, quando sabemos que, no terreno e na prática, os meios falham e as vítimas sofrem, na maioria das vezes, sem os apoios mínimos aconselháveis para cada situação calamitosa.
Habituámo-nos ao verbo fácil, à candura programada nas escolas da retórica e não passamos, afinal, de um povo de palavras, de fraseologia lírica, em que o que conta é dizer bonito e fazer nada.
Exemplo flagrante é o timoneiro da Região Autónoma da Madeira, que, passe o facto de lhe não apreciar o estilo, sempre que abre a boca, é crucificado. O homem não fala bonito, não tem retórica florida. No entanto, se alguém duvida da sua obra e do seu fazer, que sacrifique as férias no Brasil e passe uns dias na Madeira!
O facto é que estamos na Idade da Propaganda, do DIZER, e tardamos a dar o salto para a do FAZER.
São as trombetas a darem-nos música!