Não sendo, por obra de feliz acaso, muito frequentes, vão-nos chegando noticias de acidentes com explosivos, quase sempre com vítimas e danos materiais em edifícios e outras estruturas nas zonas envolventes aos sinistros.
O último, ocorrido numa estrada da região de Cinfães, deu-nos a conhecer, a serem fidedignos os pormenores relatados, no mínimo, a mais um caso de pura negligência ou falta de profissionalismo do pessoal envolvido no transporte daqueles produtos.
Sem recorrer a linguagem muito técnica, vou deter-me um pouco em factores que levem à compreensão do comportamento desses compostos de uso civil, imprescindíveis para extracção de rochas e trabalhos de obras públicas de diversa natureza.
Estes explosivos, propriamente ditos, os
gelatinosos (vulgo "dinamite"), ou
pulvurentos (vulgo "
Anfos"), só por si, não representam, em termos de transporte, perigo de maior. Isoladamente, a sua detonação inesperada e fortuita dificilmente ocorre, não obstante não se poder, liminarmente, afastar tal hipótese. Sem aconselhar que alguém o faça ou experimente, na sua maioria, e em quantidades reduzidas, nem lançados ao fogo "explodem".
Essa função de estímulo cabe a uns dispositivos, estes sim de elevada sensibilidade (ao choque, à fricção, a descargas eléctricas e à chama), conhecidos por
detonadores.
Objectos metálicos, de reduzidas dimensões, têm um invólucro (os mais vulgares, "
pirotécnicos") por pequenos tubos cilíndricos de alumínio (para obras de céu aberto) ou de cobre (nas antigas minas de carvão); outros, com uso mais actual, são os detonadores eléctricos, com a mesma função dos mais primitivos.
No interior desses pequenos cilindros existe uma pequena carga -
ignidor, iniciadora e de base - em que se realça o fulminato de mercúrio, esta, sim, uma substância altamente sensível e que pode ser activada por um simples choque, chama ou fricção.
São estes detonadores que accionam a onda de choque produzida pelos explosivos (o "dinamite", como é, vulgarmente, conhecido).
Logo, só é aceitável a junção de "detonadores" com "explosivos" no acto de aplicação no local dos trabalhos e nunca na sua armazenagem e transporte.
Para
obviar a ocorrência de acidentes, como o mais recente, de Cinfães, a legislação que regula a matéria, como regra geral, não permite o transporte em conjunto de ambos os produtos, só o admitindo desde que a viatura, fechada, disponha de compartimentos estanques e com separação tecnicamente capaz de evitar que a fortuita activação dos detonadores provoque a detonação dos explosivos.
Prevê, ainda, o transporte de pequenas quantidades - normalmente, até 50 Kg -, em paióis móveis, que são caixas de madeira, com compartimentos individuais, construídos de forma resistente, estanque, revestidos por uma liga metálica não geradora de campos eléctricos e com bom isolamento, com a mesma finalidade de segurança das divisórias nas viaturas de transporte.
Em veículos de caixa aberta e sem recurso a estes paióis móveis - com os detonadores e os explosivos no mesmo ambiente -, como parece ter sido o caso reportado, é que nunca!
Estou a lembrar-me dum triste acidente do género, há alguns anos, na região de Alijó, em que dois indivíduos deslocando-se no interior da cabina e que transportavam no veículo de caixa aberta detonadores e explosivos, destinados a
surriba de vinhas, perderam a vida numa explosão provocada pela ignição dos detonadores, julga-se, provocada por uma "beata" de cigarro lançada pela janela por um deles.
Assim, a crer nas informações difundidas pelos órgãos de comunicação social, o "acidente de Cinfães" só pode ter ocorrido por manifesta falta dos requisitos de segurança e grosseira negligência, por provável e perigosa rotina de quem transporta e opera com estas matérias perigosas.
E, convenhamos, por mais que provável falta de fiscalização no terreno, por ausência ou falta de meios humanos e materiais, das entidades a quem cabe zelar pela segurança nesta área de actividade, ao que acresce uma legislação pouco esclarecida e mesmo confusa e à diminuta sensibilização e pedagogia junto dos operadores destes produtos.
Confia-se demasiado na sorte, nas boas
estrelinhas do "Céu", num país "ao Deus dará...", de tal forma que até o ateu mais empedernido se interrogará se não será aquela divindade suprema quem tem evitado situações mais
calamitosas e acidentes deste género mais frequentes.