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quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Comedor de sardinhas.


O embaixador de Portugal na Ilha de Sua Majestade, António Santana Carlos, no exercício do seu indiscutível direito de opinião, havia condenado o comportamento dos pais da Maddy ao deixarem sós, no apartamento, os seus três filhos de tenra idade.
Opinião que, aliás, não é só sua: no mesmo sentido, de condenação moral do acto de abandono, se têm manifestado milhares de portugueses e ingleses.
A reacção dos "intocáveis" não se fez esperar.
E chegou com o insulto soez de um colunista do "Mirror"que, encarnando o antigo complexo dos súbditos da Rainha, aconselhou o representante diplomático deste Povinho subserviente, a "manter fechada a sua estúpida boca de comedor de sardinhas".
Sem querer assumir as dores do ofendido, melhor, os odores da sua sardinhada, não deixo de ler mais um sinal da arrogância de quem não se convence que deixou, há muito, enquanto nação, de ser, em muitas vertentes, exemplo para outros povos, passe a tradição dos bons costumes da mais velha democracia do Mundo.
Até porque a pequena Maddy é inglesa, os pais também, só o território da "malvadez" foi o nosso. E ainda nos resta saber da nacionalidade do/s malvado/s..............que até poderão ser vizinhos do colunista inglês, o Lord cozinheiro desta peixeirada!

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Nacala

NACALA é mais uma das acolhedoras portas do Índico, na costa Norte de Moçambique.
É mais uma das muitas histórias de amor de quem nasceu ou viveu em África.

domingo, 28 de outubro de 2007

FLAGRANTES DA VIDA REAL II

Tejo ciumento

Outono de 1980.

A coçada gabardina do Fonseca da Lisnave sacudia pingos de chuva, na paragem do 33. Junto aos carris molhados, era o turbilhão de sempre, ao cair da tarde: gente que passa, chega, vai, sobe e desce, em mais uma hora de ponta do tombar do dia. O turno de serviço do fiel de armazém na Doca da outra margem, chamava-o, naquela Segunda-Feira de Outubro, para mais uma noite de vigília por entre carcaças de barcos envelhecidos. Pelas oito da noite, segurava-se na borda do cacilheiro que, apinhado, rasgava as águas sujas do Tejo, na rotineira procura da outra banda. Era um homem quarentão, o Fonseca, de nariz bexigoso espetado em farto bigode que cofiava, pensativo. No outro lado, esperava-o o Ernesto, companheiro de quinze anos de trabalho nos estaleiros. Considerava-o um bom amigo. Ambos moravam para os lados de Campolide e, pelas tardes de Domingo, beberricavam uns copos no carvoeiro da sua sombria calçada. Com este se abria, como um livro, em confidências íntimas, vendendo ao desbarato parte das suas preocupações. O Ernesto apercebera-se, havia já uns tempos, que o Fonseca não estava muito seguro da fidelidade da sua Rosa, com quem "juntara os trapos", já lá iam uns vinte anos, numa capelinha lá para as frescas verduras do Minho e que lhe dera um bonito pimpolho, hoje um rapagão emigrado. Lia-lhe desconfiança nos olhos sempre que dela falava e intrigava-o o ar taciturno que lhe revestia as feições sempre que alguém aflorava a notória diferença de idades entre ambos. - Cá estou, pá! Pega no saco e dá o fora que o barco pira-se, não tarda muito. - Mas o Ernesto, coçando as madeixas desgrenhadas, com uma ruga crescendo-lhe na fronte larga, media o amigo, sem qualquer pressa em abalar. - Então?! Vais ou não vais? Tens algum problema? - Interrogava o Fonseca, estranhando a demora do amigo. - Olha, Fonseca, é uma gaita...tem calma...o Miguel da taberna telefonou há pouco para te avisar que, lá por volta das nove, apareceu um chavalo à tua porta e entrou abraçado à tua Rosa. - Que merda de gozo é lá esse? Levas é com a brilhantina que vais é brincar com o tio do Camões! - E, com os olhos desorbitados, fulminava o acabrunhado companheiro de trabalho. - É verdade, Fonseca! Pergunta à telefonista, lá em cima...foi ela quem me chamou. Vai lá a casa ver o que se passa que eu faço-te o turno...e tem calma! Mas, também te digo, se aquele Miguel tasqueiro mentiu, mando-o contar ciprestes para o Alto de São João!... E, pouco depois, já o Fonseca rumava para a outra margem, fitando, com raiva muda, as amareladas luzes do Cais Sodré. De cabelo revolto, ele que sempre fora de olhares anatómicos nem sequer dissecava os borrachos que, em pavoneio, se bambaleavam barco fora, com pressa das nocturnas delícias que iam procurar, noite alta, na capital. Toldava-se-lhe a vista e as unhas crispavam-se nas asas da negra sacola pousada entre os joelhos irrequietos. - Eu mato-os... eu esfolo-os, eu.....eu.... - murmurava, aturdido, para a imagem que o vidro húmido lhe devolvia. Ainda o transtejo não havia despejado o Fonseca na doca pombalina e já o Ernesto mergulhava em cogitações de toda a ordem, pesando, agora mais friamente, os hipotéticos reflexos de toda aquela charada na ciumenta cabeça do amigo. E se ele os matasse? Sim, ele que até havia comprado uma pistoleta no Martim Moniz, após, seis meses atrás, haver sido assaltado junto à Fonte Luminosa?! E decidiu fazer qualquer coisa, algo que lhe aplacasse a consciência afogueada pela dúvida. - ........... mas vão depressa, que ele está descontrolado e pode fazer alguma! - A Policia acabava de receber mais um telefonema, semelhante às centenas de solicitações, tantas vezes sem nexo, que lhe chegam fios adentro. E, quando o táxi parou na Calçada do Moinho, ali a Campolide, o Fonseca, em correria desenfreada pelos paralelos molhados, bateu à porta de casa. Uma, duas,....quatro vezes seguidas, com pancadas tão fortes que, por entre as craveiras das janelas vizinhas, assomaram curiosos radares de gentes recolhidas, à espreita da "ressaca". Na taberna em frente, com a porta entreaberta, encavalitavam-se, expectantes, o Miguel e toda a turma da sueca e da ginja. Todos ficaram boquiabertos, suspensos, quando viram o Fonseca de pistola em punho, após derrubar a velha porta com um ruidoso pontapé, irromper pela saleta da entrada, gritando: - Rosa, Rosa, onde estás?... A segunda sapatada foi na porta do quarto, do seu quarto, onde parou na ombreira, de punho espetado, ameaçador. A mulher, recolhida por entre as mantas, com as faces lívidas de susto, olhava o marido, o seu Fonseca, espantada e interrogativa. No canto, de pé, estava um jovem estarrecido, ainda mais perplexo quando viu dois policiais manietarem o desorientado homem. Foi então que, de braços abertos, o rapaz correu para a porta e, envolvendo-o num amplexo sem fim, exclamou, emocionado: - Pai! Querido pai!..... - uma lágrima teimosa deslizava pela face bolachuda do jovem -E venho eu de França, depois de tantos anos, para me receber assim?! Há algum problema? - Ó Jorge, Jorge, meu filho! Que maldita trapalhada, mas que confusão! Podia ser uma desgraça..........

Lá fora, quando os policiais se retiravam pela noite escura, acelerando o aliviado passo, continuava a chover, de mansinho, por sobre os telhados baixos da Calçada....ali a Campolide.

sábado, 27 de outubro de 2007

ÁFRICA, ÁFRICA!

África, sedutora, bela, sonhadora.....África!

VIAGEM PELAS SOMBRAS

Crime Continuado...

Já, muitas vezes, dei por mim a invectivar, intimamente, um ou outro Juiz, por esta ou aquela sentença. Umas vezes, com algum fundamento, outras, acredito, sem fundamento nenhum.
É inexorável: cada um de nós tem dentro de si um julgador, um árbitro sem erros, um magistrado supremo!
Esquecemos, ou nem tanto, nem todos, que não são eles, os juízes, os legisladores, os artífices dos códigos imprescindíveis à vida num Estado de Direito.
Essa função radica noutros órgãos. Cujos membros foram por nós, tantas vezes, cidadãos incautos, livremente eleitos.
Aos juízes cabe, por força do seu mister e estatuto, julgar dentro dos parâmetros das leis instituídas. Concordem ou não com a essência desses diplomas.
E, muitas vezes, não concordarão mesmo, em consciência, no seu cultivado espírito de justiça, com os preceitos que são forçados a aplicar.
É o caso do, já tão badalado, caso do "crime continuado" nas agressões sexuais. Tal como a esmagadora maioria dos comuns cidadãos que se vão pronunciando, também eles, vieram a terreiro zurzir num "pinchavelho" do novo Código que - na prática -, permite que qualquer abusador ou pedófilo empedernido, possa usar e abusar, uma, duas...dezenas, centenas de vezes, duma vítima das suas criminosas taras, sem que lhe seja imputado equivalente número de crimes! Segundo a nova "Tábua das Leis" será punido por um só crime, o tal "continuado".
Tomam-nos por um Povo de papalvos, que o somos muitas vezes, embevecidos por promessas cínicas ou papagaíces espertalhonas, mas não creio que alguém não desconfie da bondade deste preceito. Mais, que não haja entendido o alcance e o alvo!
Pois bem: para que possa ser desarmada essa legítima desconfiança, num Estado em que o Poder se proclama, a cada passo, democrático e transparente, é urgente que a Assembleia Legislativa, dê a conhecer aos cidadãos que elegeram os seus membros, quais os deputados que terão entendido de per si alterar aquele artigo do Código, já depois de haver consenso num texto original!
Urge que quem de direito o faça, para que não continuemos a viajar pelas sombras, pela mão de gente que nos está a desmerecer a confiança.
Como urge louvar a atitude dos Juízes,porque não temos outro caminho fiável que não seja continuar a acreditar na Justiça! Apesar de alguns excessos e não menos brandura e omissões.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

FLAGRANTES DA VIDA REAL

Há pequenos episódios da vida que nos vão deixando pequenas marcas, curtas lições que nos tocam, enquanto sujeitos de emoções, de afectos e sentimentos gregários.
Factos simples, vividos por gente simples. E que, por o serem, numa sociedade que, ao tempo do conto, marchava, em ritmo acelerado, para o individualismo, o solitário andar por entre as Gentes, me impulsionavam a registá-los pela escrita. Duma forma modesta, para gozo do próprio sentir, mas sem olhar para o umbigo.
Reporta aos anos oitenta, a escrita e o tempo da estória, tendo por lugar um dos anéis metropolitanos, nas imediações do betão e do egoísmo galopante.

É, como já confessei, um conto simples de e para gente simples, que não têm o pé além do chinelo:

TOC' Ó BURRO



- Isso é fome ou sono?!... - , interrogou, com gozado sorriso, o meu companheiro de viagem, sem despregar os olhos da estrada de Mafra, com algum trânsito naquela hora.
- O que há-de ser - retorqui-lhe - se já passa da uma da tarde e anda para aqui um bichinho a roer! Ainda falta muito para a Malveira?
- Ainda agora saímos de Torres! .... O melhor é pararmos no primeiro restaurante que aparecer na estrada...
O nome não era muito sugestivo, mas adequava-se àquelas paragens saloias:
"TOC'Ó BURRO". Uma seca imagem de palha de centeio, para um almoço que se desejava farto e suculento...
A sala de jantar era na cave, decorada com o jeito típico daquelas gentes, bem no coração da zona saloia. E, desde a ferrugenta roda de carroça à albarda suja dos burricos, havia de tudo um pouco na decoração das paredes daquela casa, para turista comer.

- Eu quero chispe. Mas com bastante hortaliça, se faz favor!
O homem olhou-me, de semblante pensativo, e foi rabiscando a encomenda num pequeno bloco de notas.
A sala estava pouco concorrida. Três sujeitos, numa mesa central, atiravam-se, com voracidade, a uma farta dose de bacalhau com grão. Num canto, um jovem casal, com ares de estranja, bebericava, palrador, umas coca-colas, não dispensando o baldinho de gelo.
- Cá está! Olhe, vai-me desculpar, o chispe costuma ser servido com feijanito, mas teve que ser com grão, pois a cozinheira não o encontrou...e se eu tenho para aí tanto e do bom! - e continuou, em tom humilde: - sabe, a minha mulher, a alma desta Casa, foi ontem para o Hospital.....é uma chatice!...
E virou as costas, acabrunhado, com o rosto crispado de preocupação.
Na verdade, não obstante a qualidade das instalações e o gosto na típica decoração do "TOC'Ó BURRO", notava-se no ambiente a falta duma mãozinha providencial.
Ocupava-me, com gula mal disfarçada, dum chispe bem guarnecido, quando o nosso hospedeiro se abeirou da mesa, com expressa intenção de auscultar a disposição dos clientes. Antes que dirigisse qualquer pergunta, lancei-lhe uma observação reconfortante, que, valha a verdade, mais não foi que uma "mentirinha" piedosa:
- Afinal, isto está bom! O grão até lhe dá mais paladar!....
- Ah, sabe, eu só lhe disse que e hábito servir o chispe com feijão por o senhor poder voltar e estranhar a diferença. De resto, o grão também é bom....pois!
Mas ninguém precisaria dum canudo em Psicologia para lhe notar o preocupado nervosismo, a agitação interior que o electrizava, mesmo quando, junto à porta que separa a sala de jantar da cozinha, repreendeu, com drásticos modos, os dois miúdos, talvez, seu filhos, que brincavam num pequeno triciclo.
E já passava das duas da tarde quando, no primeiro piso, onde funcionava o Café-Bar do estabelecimento, nos prestámos a pagar os almoços.
- .....olhe, e as melhoras da sua senhora! - Foi o que me ocorreu oferecer ao atarantado hospedeiro, em jeito de lenitiva gorjeta.
Dois meses eram passados. Continuava no bulício da capital, onde tanta gente é sempre tão pouca, onde cada um vive em si e para si, entrincheirado na fortaleza da indiferença e do individualismo.
Aquele, pensava eu, banal episódio, ficara arquivado na pasta do subconsciente, junto aos demais. O "mexe-mexe" do dia a dia - do presente - não permite espaço para outro lugar ou para meditações nas pequenas coisas do ontem...
Descia a Morais Soares, ali ao Chile, procurando furtar-me às cotoveladas impiedosas e apressadas dos passantes que, em formigueiro buliçoso, se atropelavam passeio abaixo, no final de mais um dia de trabalho.
- Amigo, amigo! -, e senti o braço apertado, enquanto travava a marcha. -Não se lembra de mim? Do TOC'Ó BURRO?!
E lembrei-me. Reconheci o nosso casual estalajadeiro, agora sorridente. Ocorreu-me, também, que os miúdos, ao lado, seriam os putos do triciclo, só não me recordava da senhora que o acompanhava.
- Apresento-lhe a minha esposa. Fui buscá-la, hoje, ao Hospital! Felizmente, já está totalmente recuperada! - E os olhos brilhavam-lhe, de satisfação.
Não deixei de mostrar alguma surpresa com a situação. Afinal, não havia passado de mais um entre tantas centenas, milhares, de clientes que frequentavam aquele restaurante! E, até, só lá entrara daquela vez.....
- Olhe, amigo, quero convidá-lo para ir almoçar um dia destes ao TOC'Ó BURRO. Desta vez quem paga sou eu, a cozinheira vai ser a minha mulher e vai comer chispe com feijão!...
- Mas...o senhor ainda está preocupado com isso?! Se até lhe disse que o almoço estava bom!...
- Não está a compreender, meu caro! É que eu sou saloio, mas não sou parvo, nem mal agradecido. O amigo foi a única pessoa, nestes dois tristes e longos meses, e tive milhares de clientes, que se lembrou de desejar as melhoras da minha senhora. E ela aqui está, já restabelecida, como vê!
Fiquei siderado, agradavelmente surpreendido. Não tive oportunidade, até hoje, de voltar a passar por aqueles lados, mas não resisti a narrar este flagrante da vida real.
E ficar a reflectir como, por vezes, uma frase, aparentemente, tão banal, pode despertar humanismos e sentimentos solidários, mesmo que as pessoas sejam "saloias".......

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

2º bloco de imagens do convívio do Parapato

O segundo bloco de imagens do Convívio das Gentes do Parapato (António Enes/Angoche), evento que teve lugar em Mira, nos passados dias 13 e 14 de Outubro.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

sábado, 20 de outubro de 2007

Gentes de Moçambique

Não sei se algum dia os sociólogos darão uma cabal explicação para o fenómeno. Mas o facto, bem constatado, é que as gentes que, por alguma forma, estiveram em comunhão com terras moçambicanas, continuam, pelas sete partidas do Mundo, a manterem vivos traços muito próprios da sua vivência . Após a diáspora a que foram sujeitos, deixando, de alma ferida, os lugares onde nasceram e cresceram ou, simplesmente, aprenderam a amar, não cortaram as amarras do Índico e, sobretudo, mantém perenes valores que sempre os distinguiram: a amizade, a solidariedade e o espírito franco e aberto. Ultrapassada que foi a, nem sempre fácil, fase de adaptação a novas terras, novas gentes, num recomeçar de vida nem sempre conseguido e que reporta ao final dos anos setenta e a década de oitenta, aí está o pessoal a conviver de novo. Recordando as origens comuns e a marca indelével dum sentir a vida muito peculiar.

No sucedâneo de encontros, reuniões e convívios que se vão organizando um pouco por todo o Portugal, foi a vez das Gentes do Parapato, pessoal com ramos de vida na região macua de António Enes, hoje Angoche. São delas as imagens que passei para este "clip". E, ao olhá-las, chega-nos, pelo olhar, a certeza de que a alegria se mantém para lá das muitas recordações e alguma justificada saudade!

Parabéns, Parapatenses!

Porreiro, pá!



Depois da secular ligação a África e ao Oriente, não nos restava outra alternativa. A Europa a que, de há muito, passe a nossa saga de emigração, havíamos voltado as costas, era o nosso natural destino político-económico. A nossa adesão à actual União Europeia foi, por isso mesmo, pacífica e quase consensual no nosso espectro político-partidário. Sem jamais nos esquecermos que essa integração plena não passa só por colher dividendos e eternos apoios, cumpre-se o nosso Futuro enquanto nação antiga deste velho continente. Por tudo, também eu, não sinto qualquer pejo em elogiar e reconhecer o trabalho empenhado de Sócrates e da sua equipa (sem esquecer o dinâmico, quiçá primordial, contributo de Durão Barroso)! Foi um bom trabalho, de sapador diplomático em busca dos necessários e imprescindíveis consensos, para a unânime aprovação do Tratado. Só mesmo com essa Carta de compromissos, vinculativa a todos os membros, a União terá mesmo pernas para andar.

É hora, agora, de olhar para dentro e, com o mesmo ânimo, compreender o Povo de que é Governo, com a mesma humildade com que soube relacionar com os seus parceiros europeus, enfrentar os problemas internos, inverter rumos, rectificar injustiças e assumir que, antes de tudo, estão as pessoas, as suas carências e necessidades básicas, estão os legítimos anseios e, sobretudo, a dignidade dos cidadãos deste País, contribuintes líquidos dum Orçamento com poucas preocupações sociais.

É esse o Povo que, sabendo reconhecer-lhe o mérito da vitória europeia, espera não continuar a ser, por incúria e alguma arrogância, sistematicamente, maltratado.

Se assim for, e só assim, lhe diremos um dia:

PORREIRO, PÁ!...

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

GUERRAS....Malditas guerras.....

A Guerra do Ultramar, A Guerra Colonial, A Guerra de Libertação.................Cá fica o vídeo do 1º Episódio, sob o tema debatido no Prós e Contras. Mas, já agora, porque, como era inevitável, o programas, e a sua essência, já está a provocar as naturais e legítimas reacções, vou adiantar algo mais.
No site da Guerra do Ultramar, Colonial ou de Libertação, como lhe queiramos chamar, que eu considero ser o mais completo e abrangente da net, no seu âmbito,(
http://ultramar.terraweb.biz), os diferentes pontos de vista dos ex-combatentes já começaram a evidenciar-se. O que é perfeitamente natural e respeitável.
Só me exasperou a posição de um ou dois dos "comentadores" que, numa visão superficial e redutora, entendeu desancar nos "cantineiros do mato", como se fossem eles os mentores do colonialismo, o odioso de toda aquela guerra!
Eu conheci centenas de cantineiros espalhados pelos lugares mais recônditos do mato de Cabo Delgado. Conheço a vida que levavam, perdendos os anos na solidão da selva (provavelmente, em iguais condições de vida dos militares que por lá passaram dois anos, sem dar um tiro). Sei que, no seu seio, como em tudo, havia gente honesta e desonesta. E sei, também, do quanto, muitos deles, foram mais do que "pais" para os militares que por lá andavam e passavam.
(Seria o mesmo eu, agora, desancar no Jerónimo Martins, Belmiro de Azevedo e quejandos, pelos lucros que auferem nos seus supers e minimercados, culpando-os da crise económica e do aumento do custo de vida que o país atravessa!....)
Como se os verdadeiros "exploradores" e os que mais lucravam com o propalado colonialismo fosse aquela gente, a fazer pela vida, grande parte sem dela usufruirem qualquer qualidade. E sei como, muitos deles, pagaram com a vida e com os seus bens o arrojo de viverem no mato, isolados, longe de tudo e de todos!

Foi motivo bastante para que o meu comentário àquele programa da RTP1 (Prós e Contras) se desviasse do cerne da questão. E saíu-me este, que transcrevo:

Face às avalizadas opiniões já aqui expressas, pouco mais teria a acrescentar, a propósito deste tema. Revejo-me nas perspectivas da maioria dos que me antecederam nos comentários, mormente as opiniões esclarecidas dos primeiro e último intervenientes: o Vitor Baião e o António Cadete. Não deixei foi de, pela leitura que fiz de algumas intervenções aqui postadas, de reforçar a convicção que já ia tendo, passe a assunção de que são respeitáveis todos os pontos de vista pessoais, do divisionismo que grassa no seio dos ex-combatentes, com reflexos, dificilmente sanáveis, nas suas organizações representativas. Esquecemos o essencial, as dificuldades por que, na maioria, passámos e da nossa dádiva à Pátria, quando deviam ficar para outros patamares de discussão a justeza ou injustiça daquela Guerra. Quando, até, se lê por aqui terem sido os "cantineiros" o odioso daquele conflito armado, podemos bem aquilatar do disparate que grassa nas mentes de alguns ex-combatentes. Como se alguém, minimamente informado, pudesse "descobrir" nos cantineiros espalhados pelo mato moçambicano, os verdadeiros colonialistas!... É uma visão redutora, injusta, verter nessa gente o ferrete duma guerra. Como seria, alguém alijar esse labéu naqueles desonestos militares que, sem escrúpulos, vendiam, em proveito próprio, a esses mesmos "cantineiros do mato", o azeite, as batatas, o bacalhau, o gasóleo...destinado à logística das suas unidades! Perdemo-nos com o acessório. O essencial radica, como sempre defendi, que a descolonização era inevitável. Falhou foi, duma forma trágica e lesiva da consciência colectiva, no tempo e no modo, porque, essa inevitabilidade que já todos, ao tempo, reconheceríamos, não pressupunha nem apontava para a forma atabalhoada, sem honra e sem vergonha, como lhe demos desfecho, à revelia do sentir das populações. Sem qualquer pressuposto democrático, num país que, desde o 25A vem enchendo a boca de Democracia. Pior, bem mais humilhante, será a forma aviltante como o Poder instituído, o mesmo que legisla e decide em nome da Pátria, tem tratado os ex-combatentes, os tais que lutaram em nome dessa mesma Pátria (os Poderes mudam, mas a Pátria é a mesma!...), os portugueses de sempre e os que o eram nos territórios hoje independentes e que terceram armas, sofreram e tombaram bem ao nosso lado, fosse qual fosse a pigmentação da sua pele. E, com os divisionismos já atrás aflorados, errando os alvos, estamos claudicando perante aqueles que não sabem, ou não querem, reconhecer a dívida que o Estado tem para com os seus servidores que sofreram, na carne e na alma, no cumprimento de uma missão que a Pátria lhes impôs!

Saudações, combatentes.....todos!

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

CONTO ARQUIVADO

CONCLUSÃO

Já eram quatro da tarde daquele agitado domingo quando o cadáver, após ter sido arrastado até à aldeia, foi carregado por uma dezena de braços fortes na caixa do jipão.
Era o regresso. Antes, porém, ainda no povoado, fora o almoço: frango "à cafreal" com xima de milho e sumo de caju.
Para o Carlos, apesar dos seus insistentes protestos, ia uma cangarra de malákus e um cacho de bananas. Eram pessoas generosas e gratas, os macuas.
- Senhor, eu pode ir? - perguntou o Régulo Matico, rodeado pelo seu povo. - Vai dar-me xicuembo?
Referia-se à gordura que reveste os intestinos do leão. Entre os macuas e, até, parte da colónia de indianos e europeus, havia a convicção ser aquela gordura um excelente remédio para o reumatismo e até doenças do foro íntimo, para além de potente afrodisíaco.
- Mas o leão é vosso, podem fazer dele o que quiserem!...
- Não, senhor é dono. Quem mata é dono, mais ninguém. - atalhou o Sanica, dando a conhecer mais um dos ancestrais costumes dos nativos.
Já o motor do jeep roncava alegre pela picada.
Desta feita, com mais cuidado, não fosse mais uma vez a ponte tecê-las...
Chegaram tarde ao Largo do Posto. Já os miúdos da Missão, de visita à sede administrativa, brincavam, chilreantes, após a cerimónia do arrear da Bandeira.
O Administrador, sentado com a esposa e filhos à sombra duma frondosa buganvília, dirigiu-se-lhes apressado e interrogativo:
- Então, Carlos, que tal a caçada? Já estava preocupado com tanta demora! Oh...mas que grande bicho!... - largou, estupefacto, ao debruçar-se na borda da viatura. - É um grande animal!
Surgem as explicações de toda a ordem, o onde, o quando e como, dão os parabéns, vai chegando mais gente, curiosa. A notícia corre célere e aparecem, também, os europeus da terra: o Fonseca da cantina e a mulher, o Carvalho do algodão e as filhas e pessoal do destacamento militar que ali se encontrava aquartelado por questões de quadrícula, já que não havia, ao tempo, qualquer conflito latente naquela zona.
Todos se encontravam ali mais empenhados em registar na película a sua momentânea comunhão com o senhor da selva. Os de camuflado não perderiam o ensejo para enviarem uma foto de ocasião às suas madrinhas de guerra, saudosas, em Portugal.
Durou horas aquela peregrinação fotográfica, a quebrar a monotonia sertaneja dos pacatos dias de Balama, enquanto o Administrador Barbosa ia passando o tempo a lamentar o exagerado esburacar da pele, que a deixava pouco prestável para a sua desmesurada colecção de curtumes, na tal salgadeira do armazém.
Quanto ao Carlos, esse tivera direito a algumas duras unhas de leão. Se para mais não servissem, ajudá-lo-iam a esgadanhar nos escolhos que se lhe foram deparando na encruzilhada da vida...
Por longos anos se foi falando no Norte de Moçambique do tristemente célebre "Leão dos 16". Triste sorte, negro o fado daqueles macuas, pois antes, então e depois, foram sempre vítimas de leões despudorados, mais carniceiros que aqueles, com jubas de todas as matizes.
E dessas feras, nem Carlos, nem Sanicas, nem Sacuras, os conseguiram livrar...

Quanto ao autor, tendo passado ao papel este seu conto já lá vão muitos anos, só agora ganhou coragem para o compartilhar, menos por preguiça, mais por temor àqueles cartazes que se vão vendo em alguns estabelecimentos de venda de armas e associações de caçadores: "AQUI SE JUNTAM CAÇADORES, PESCADORES, ADVOGADOS....E OUTROS ALDRABÕES...".
Mas vale a pena correr o risco, suplantado pelo testemunho do maravilhoso fascínio das terras moçambicanas, na sua original e genuína natureza!


FIM

terça-feira, 16 de outubro de 2007


CONTO ARQUIVADO
Continuação...
Aproximavam-se já do monte, em cujas fraldas, de vegetação cerrada, estaria o refúgio do leão devorador. Mas nem o Matico, nem alguém da aldeia, sabia indicar ao certo o local, tal a vastidão da área.
- Vamos fazer a batida por bocados, Sanica?
A ideia era dividir toda a zona arborizada, entre a clareira e o monte, por faixas a bater.
Dividiu-se o pessoal: o da batida (a barulhaça) para um lado, os armados para o outro.
Ia começar a festa!
- Nós é melhor ficar ali! - apontava o Sanica para um morro de mochem, abrigo natural para a espera.
Os dois cipaios e o caçador foram-se, também, dispondo na zona.
Já o Carlos sentia um leve tremor no corpo, uns arrepios gélidos num sol escaldante(!), mas que se iam diluindo na azáfama. Tinha a impressão, sentia-o ao fitar os rostos excitados dos outros, que com feras daquela estirpe não se brinca.
Fosse pelos nervos, fosse pela fome, estava em jejum, o cara pálida sentia um palpitar doloroso no estômago, quando se acocorou numa pequena saliência do morro baixo.
Era quase meio dia. Um silêncio sepulcral dominava o ambiente. Nem um leve esvoaçar da passarada, nem o cair duma folha seca, o rastejar furtivo de uma cobra ou a corrida elegante e vaidosa de uma gazela!....
De repente, como o trepidar de fúria louca de uma manada de elefantes rasgando a selva, como o alarido raivoso de mabecos em luta pela posse de um javali, a serra ecoa, o ar sacode-se.
Todos aqueles tambores rufando, latas chocalhando e os sonoros berros das gargantas fortes dos nativos da batida, na outra orla da mata, impressionavam mais que o sapatear raivoso do nosso Parlamento em dias de polémica orçamental ou periodos eleitorais...
A selva tremia, o barulho aumentava, na justa medida em que os batedores iam cruzando a mata em direcção aos emboscados.
Só que já estavam bem perto e não havia sinal do rei da selva. Nenhum disparo soara, até ao momento...
- Ei, Sanica, o gajo não está cá! - diz o Carlos, quebrando a concentrada atenção do cabo, a focar a mata, rígido que nem uma marmota congelada.
- Parece não está, senhor. - sem, contudo, desviar os olhos desorbitados do arvoredo.
E não estava, de facto, naquela faixa. Deu-se o encontro dos dois grupos e leão....nem vê-lo!
Curiosamente, nem um coelho, uma gazela, um javali, nenhum animal passara em frente dos emboscados. A esta contestação do adjunto, observou o caçador, com segura convicção:
- Pois não tem outro bicho, porque leão está perto. Nosso vai encontrar, já viu pegada fresca....
O Carlos, sempre aprendendo, ficou a saber que numa área considerável em redor do palácio do rei leão, não havia lugar para outros animais menores. Os súbditos, amedrontados, fugiam perante a presença ameaçadora do seu despótico amo.
A ser assim, nada estava perdido, tanto mais que havia fortes indícios da presença próxima do devorador.
Ia tentar-se a faixa seguinte. A operação repete-se no terreno.
Desta feita, à falta de outro abrigo, o Sanica sugeriu ao Carlos uma árvore velha de melala bifurcada. Era este o poleiro de espera para o mocunha, com a pele ardendo sob a inclemência do sol do fim da manhã. Por baixo, brilhavam as micas soltas duma ribeira, seca naquela época do ano.
Enquanto esperava, de novo, ia pensando na sua caricata posição, qual ave no choco e deu consigo a conspirar, surdamente, contra o Sanica por lhe ter alvitrado aquele refúgio de abutre medroso. O sacana do cabo pensaria que ele tinha medo?! Mas, intimamente, até se sentia bem posicionado. Do pouco que sabia, os leões não voavam e ali não haveria perigo. Mas não se desvaneceu, de todo, aquele tremor de dedos.
A algazarra recomeçara, ao longe. De novo os tambores, as latas, os apitos, os berros musicais do outro grupo, que se ia aproximando.
De repente, bem ao lado, soa um tiro.
O Carlos, estendido num ramo, redobra de atenção, com a pistola metralhadora pronta a disparar...; tac....tac....tac.... o coração batia-lhe forte, como cavalo em solto galope na pradaria. O suor aumentava-lhe no rosto, o ar rarefazia-se nos pulmões, quando, mesmo por baixo, a uns escassos três, quatro metros, na vertical, o nosso leão, com as patas enterradas na areia, olhava pesadamente para um e outro lado da ribeira, desconfiado. Ouvia-se, nitidamente, a densa respiração da fera, uma bizarma medonha, grande, nutrida.
E agiu, então, como um autómato; a adrenalina tinha-o quase em bloqueio na presença de tão leonina figura! Ensaiou uma duvidosa pontaria na direcção do monstro e disparou uma rajada breve, sem se preocupar com a escolha dos pontos mais vulneráveis. Bastou-lhe divisar a massa enorme do bicho na mira e carregar o gatilho. Era difícil, quase impossível, não acertar, de cima para baixo, àquela distância!
Mas, ao contrário do que pressupunha, aquele não tombou: soltou um urro arrepiante e empreendeu um salto descomunal, embrenhando-se pelo capim alto.
E o nosso jovem manteve-se quieto, mudo e surdo, por uns instantes.
Veio-lhe, depois, um pensamento derrotista: falhara! E saltou da árvore.
Na areia seca, nem um pingo de sangue e ia cogitando como era difícil não lhe ter acertado!...
Procurou o Sanica com os olhos, mas o cabo não estava à vista e continuou a remoer no sucedido, quando troaram mais dois tiros de caçadeira.
- Senhor, já está! O gajo já morreu, tem ali....o caçador Sacura encontrou caído lá..- , gritava o Sanica, entusiasmado.
- Encontrou caído?! Mas não foi ele quem o matou com aqueles dois tiros? - interrogou o Carlos, já bem mais animado.
- Não, senhor - voltou o cabo - o gajo já estava sofrer p'ra morrer, com tiros de senhor adjunto. Sacura deu tiros para segurar ele, que leão ferido fica perigoso mesmo!....
Começou a desvanecer-se aquela sensação amarga de fracasso, Afinal, acertara-lhe!
Quando chegou, com o cabo, junto do animal moribundo, o Sacura fez questão de lhe mostrar os três pequenos furos com que o Carlos o havia atingido na espádua. Só que, como aquele continuava a explicar, aquela zona do corpo é dura, não dá para matar logo, com balas de 9 mm. Ele, sim, atirara como um bom caçador, bem na cabeça do gigante...e os zagalotes desfizeram-lhe o focinho...
Mas já um verdadeiro festim começara: uns cantavam, outros dançavam, fez-se batuque com o rufar dos tambores, vieram mamanas, vieram catraios, um mar de gente fez circulo em volta do odioso assassino.
O novato Carlos sentia-se com tanta e espontânea lisonja, tanto kuerine, tantos beijos de ousada gratidão que as moçoilas lhe iam depositando na face!
Bem real era para aquela gente o fim de um pesadelo e, também, o vingar dos seus mortos: o castigo do criminoso ditado por um código penal escrito pelo sentir do povo e que de pimentel nada tinha.
E a festa continuou ali mesmo, agora com um estranho ritual, que nunca vira: toda aquela gente alinhou em fila e, um por um, ao som de afinado cântico, foram espetando uma lança, passada de mão em mão, na cabeça do bicho.

continua......

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

CONTO ARQUIVADO
(continuação)




- Senhor, tem bom?! - interrogam os olhos arregalados do Sanica, fitando o Carlos como se ele acabasse de fugir das amarras do purgatório.
- Não é nada! -, olhando para trás.
à frente, só via aquela chapa cinzenta, barreira que lhe havia ocultado uns bons dez metros de ponte, estreita, como já vimos.
E o jovem Carlos, com nervosismo comprometido, acabou por se rir, quando perspectivou a frio a ridícula cena que durou segundos e podia ter absorvido anos de vida...
Lá para trás, bem no meio da ponte, os dois cipaios estavam ainda sentados, boca entreaberta, olhando, mudos, as águas impávidas e serenas correndo lá no fundo, a mais de trinta metros! As suas armas estavam tombadas, em desalinho, na caixa da viatura.
E pensou, refeito do susto, como teria sido possível atravessar toda a ponte daquela forma.
- Tens de perguntar ao Mussa como é que ele traz o capô solto! Aquilo não se solta de qualquer maneira! - como se quisesse transferir para o pobre mecânico/desenrasca lá do Posto, a sua aselhice e inexperiência, ali tão evidente.
O Sanica não respondeu e, quando ambos saíram do jeep, olharam ao mesmo tempo para os duendes perdidos na floresta, interrogando-se qual deles plantara aquele providencial jambire no azimute desvairado do carro!...Se não fosse aquela amorosa árvore, esperava-os o abismo profundo, na margem do rio...
Os dois cipaios cuspidos, ainda meio atarantados, atravessavam já o resto da ponte, aconchegando nas cabedulas assustadas as camisas desfraldadas pela queda livre a que viram sujeitos.
- Vamos chovar o carro para trás...
Estavam, então, a uns escassos duzentos metros do povoado, onde acabariam por chegar, aliviados.
Depressa o Carlos esqueceu o acidente, retomando o entusiasmo pela caça que, afinal, ali o levara. Tanto mais que aquela multidão, como há muito não vira, armada de zagaias, pontas de lança, arcos, flechas, catanas, machados, tambores, latas e apitos e todo um sortilégio de instrumentos, lhe lembrava, com certa ironia, as hordas de Viriatos nas serranias da Estrela.
Mas, para além do costumeiro cumprimento, uma vénia mal dobrada, aquela mole humana mantinha-se silenciosa, num descampado dominado por quatro mangueiras ramalhudas onde pontuavam já frutos madurados.
O Régulo Matico adiantou-se ao grupo, juntando-se aos ora chegados, acompanhado de mais três ou quatro elementos, seus conselheiros tribais, e um outro negro, ainda novo, armado de espingarda e era caçador de um europeu de Namuno, e que, casualmente, ali havia acampado e se dispusera a ajudar na caça ao leão.
Formou.se ali mesmo um "conselho da revolução" da caça, em que o Carlos desempenhava a cómoda função de moderador. Reconhecia, intimamente, ser o menos credenciado para ditar estratégias. Mas mostrou-se interessado e participativo e, sobretudo, prestava especial atenção aos experientes alvitres que iam surgindo.
O plano para caçar o leão não era assim tão complicado! Consistia, tão só, em formar uma linha de nativos com os instrumentos sonoros e armas rudimentares, de um lado do hipotético esconderijo da fera, enquanto os elementos com armas de fogo se emboscavam nos previsíveis pontos de fuga. É que o Rei da Selva incomodava-se perante um ajuntamento grande e barulhento, habituado que estava à sua vida de anacoreta da mata silenciosa. E era com passada pachorrenta, com manifesto desprezo, que se virava, abanando a cauda, à arruaça que, do género, se lhe deparasse.
- Está tudo bem, mas onde encontrar agora o bicharoco? - e o Carlos olhava, interrogativo, para os seus pares.
- Nosso sabe, senhor. Garramo tem além! O Matico apontava para a encosta arborizada do planalto, ao fundo, e rematava, decidido: - Tem junto do monte. Nossa gente leva lá.....
- Vamos, então!...
E o pequeno exército pôs-se em marcha pelos carreiros das machambas de mapira alta, de campos de milho com massarocas dourando ao sol brilhante.
Aqui e ali iam ficando faixas rasteiras de amendoim e, mais adiante, fartos cachos de bananas marruce, dependuradas de troncos com larga folhagem.
Representava tudo o que ia vendo a base de subsistência, da vida daquela gente, numa economia mista recolectora/produtora. Não era aquela, ainda, um a sociedade consumista. Era a vitalidade de terra forte, que ofertava os frutos na medida do trabalho de cada um: quase sempre suficientes, sem excedentes, mas sem graves faltas.

(continua em próximo post...)




domingo, 14 de outubro de 2007

CONTO ARQUIVADO
Continuação

- , mocunha, já viu aquele macaco todo?! -e o Sanica ia apontando, com as duas mãos espetadas na janela do carro. - Come a machamba toda!
A uma centena de metros, os mais brincalhões habitantes da floresta, almoçavam lauto banquete: uma refeição gratuita, servida pelo suor dos nativos que, e não só por isso, detestavam a macacada.
O Carlos afrouxou e parou o carro, ensaiando fortes aceleradelas, no intuito de os amedrontar. Os bichos olharam curiosos e, depois de estudarem a situação, continuaram a ladroagem, arrancando á terra, com primata avidez, enormes tarolos de mandioca que devoravam sem cerimónia. Os mais velhos carregavam às costas pequenos filhotes de pêlo azulado, tupilis reguilas, imaturos nos trabalhos de pilhagem.
- Sanica, corre-os a tiro!
O cabo esfregou as mãos contentes, saiu da cabina e....pum!...o macaco mais corpulento tombou, de ventre para o ar, lançando gemidos que confundiram o Carlos. Aquele choro aflitivo tinha qualquer coisa de humano, de súplica desesperada. Com a cabeça entre as patas, como que a rogar clemência, o bicho foi-se virando, lentamente, até que sucumbiu encostado a um ramo de mandioca. Os outros nem vê-los! Haviam fugido para as árvores mais altas e frondosas, onde aguardariam, nervosamente, que os primos, mais inteligentes, mas bem mais maldosos, abalassem.
- Hoje já tens almoço, Sanica!
Este, com um trejeito comprometido, olhou de novo para trás, para a caixa do jeep, onde imaginava já uma negra caçarola bem cheia de saboroso caril de macaco, cozinhado com bastante piri-piri...
- Vou também dar um bocado ao Issufo e ao Jamú! -enquanto acenava com a cabeça na direcção dos dois cipaios que viajavam de pé, na retaguarda, como que prestando honras fúnebres à vitima ensanguentada do seu cabo.
Nem todos os nativos de Moçambique comiam carne de macaco. Faziam-no os macuas, mas, mesmo no seio dessa etnia, só certos nihimos a incluíam no menu.
Porque, até na alimentação, eram diversos os costumes dos numerosos grupos étnicos daquele país. Como o são, adiante-se, as suas crenças, dialectos, personalidade e anseios. Nestes aspectos, Moçambique é uma autêntica manta de retalhos, em que só o espírito de nação, que começa a despontar, e a língua portuguesa são factores de união.
- Ainda falta muito?
- Não, senhor. Depois do rio, além, é mais pouco-pouco. - E o Sanica acompanhava a explicação com um abanar calculista da mão direita, enquanto o sol quente, trémulo de fogo, trepava, apressado e irreverente, pelas vastas escadas do horizonte.
Finalmente, haviam atingido o Lurio. Era um rio pouco caudaloso, mas um viajante longínquo, nascido lá para os contrafortes do Niassa e que deixava, ao passar, uma vegetação luxuriante a embelezar as margens sonhadoras.
Para o atravessar, o Régulo Matico e a sua gente haviam, anos antes, lançado mãos da sua empírica engenharia artesanal: compridos troncos de árvores, dispostos de um lado ao outro do rio, revestidos por esteira, pacientemente urdida por habilidosas mãos, de bambus entrelaçados.
Mas era precisa muita atenção ao efectuar a travessia auto daquela ponte, pois fora idealizada e projectada bem à maneira daquela gente: à exacta medida do carro do administrador e nem mais uns centímetros!...
Ao Carlos, novato naquelas travessias, habituado que estava a outras travessuras, não ocorreu que urgia reduzir a velocidade, para galgar sem problemas os primeiros troncos e...zás, o carro salta, estrebucha, o capô abre-se, corta literalmente a visão....o jeep segue, bate.....e pára!


(Continua em próximo post...)

sábado, 13 de outubro de 2007

Lá vai barão...




Hoje, deliberadamente, deixo o leão de Balama, a sinistra personagem do meu Conto Arquivado, a dormitar no fascínio da selva moçambicana, para exteriorizar a síntese das imagens em mim reflectidas do Orçamento de Estado para 2008, prestes a ser discutido em S. Bento.
Sem ser economista ou ter pretensões a analista de Finanças, algo ressalta bem evidente aos olhos leigos de qualquer anónimo e menos avisado contribuinte.
Positivo, arrisco mesmo, louvável, o incentivo proposto, em sede de IRS, para as famílias com filhos a cargo. É uma medida fragmentária, ainda muito insuficiente, mas o passo e o sinal de que urge apoiar a natalidade está dado.
E, porque me sinto com autoridade moral, enquanto responsável por uma família que criou e educou cinco filhos, com escassos ou nenhuns apoios, como sempre defendi, é este o caminho certo para esse desígnio, ao invés de se banalizar, ou fomentar, o aborto, esse abominável "lavar de mãos" que, em consciência, continuo a entender só ser humanamente admissível em casos especiais, já do antecedente tipificados.
Duvidoso, preocupante, é o aumento percentual e relativo a 2007, do orçamento da Presidência do Conselho de Ministros (mais gastos com a imagem e propaganda governamental?), enquanto que o Ministério que tutela a Segurança, uma das áreas mais sensíveis e actuais do nosso País, se vê com um corte nas suas disponibilidades financeiras, quando todos apontavam para o seu reforço. Não é bom augúrio...
Negativo, tal como o já vem sendo nestes últimos anos, é a escalada do IRS para os reformados. Defende o Ministro que se trata de um acto de justiça para com aqueles que ainda trabalham e descontam.
À priori, e em abstracto, todos concordaremos quando os argumentos são colocados nessa perspectiva, só que, não o podemos esquecer, ao longo dos anos, as pensões dos reformados se vão degradando, por força da precariedade do aumento das suas pensões relativamente aos trabalhadores no activo.
Como temos bem presente, julgo que em vigor desde Ferreira Leite, as pensões sofreram um corte efectivo de 10%, o correspondente à quota para a CGA e Segurança Social.
Que o Ministro das Finanças, no mínimo, não invoque justiça e proporcionalidade entre activos e reformados, como pretendeu justificar a medida. Tenha, sim, a coragem de alijar este agravamento, lesivo das bolsas dos que trabalharam uma vida, nas dificuldades com que (todos conhecemos e nem é culpa do Governo) se debate o "cofre" que sustenta os reformados. Mesmo reconhecendo que, na prática, a esmagadora maioria, não chega, pelo curto ciclo de existência que lhe resta no pós-vida activa, a ser ressarcido das quotizações com que contribuiu, no tempo próprio, para esse bolo social.
Que sirva de reflexão os jovens activos e aos vindouros. É o momento certo duma grande opção: confiar na devoradora máquina do Estado para prover da sua "velhice" ou optar, e quanto antes, por ser o próprio trabalhador a gerir, a administrar, a capitalizar, os seus contributos para os tempos da reforma, aplicando, por livre escolha, parte ou a totalidade dessas quotizações obrigatórias?
Quanto ao mais, neste Orçamento, só nos resta "esperar.......para ver"!

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

CONTO ARQUIVADO

(continuação do post anterior)



E a velha fera, bacharel em caça, não se fazia rogada: alta noite, abeirava-se, sorrateiramente, e esgadanhava as unharras na parede frágil da palhota onde se alojavam os catraios da família. E, enquanto os pais dormiam na casa ao lado, a uns escassos dez metros, os miúdos acordavam assustados, gritando pelos "velhos" em desespero. Mas o leão não forçava a entrada. A mãe dos garotos acorria aos gritos aflitivos dos filhos e era recebida pelo leão, de bocarra aberta, que a arrastava, presa nos seus caninos devoradores, para longe, pois o macabro repasto era sempre em recatada sala de micaias, na selva fechada.

Era este o ardiloso estratagema, como já referi, pouco comum no comportamento habitual dos leões, mas utilizado nos casos concretos que o Carlos foi ouvindo com um misto de estupefacção e de medo, enquanto coçava a meia dúzia de pêlos que lhe despontavam no queixo esguio. Que raio! Por aquela é que ele não esperava mesmo! Fora caçador, sim senhores, de pardais descuidados, de melros desaninhados, caídos na sua fisga infantil, mas qualquer cão rafeiro o fazia fugir, hirto de medo, só pelo ladruçar raivoso, quanto mais uma fera daquelas!... Mas não era ele o adjunto do posto, aquela gente não viera até ele procurando ajuda?! Não se sentia no direito de lhes defraudar a expectativa de alívio para os seus males. E lá foi vestindo rija pele de valente, enquanto ia vertendo consoladoras promessas de justiça e vingança nos corações condoídos pela perda de familiares. A seguir, foi vê-lo qual D. Quixote do Índico, a preparar os seus bravos Sanchos e a escolher as armaduras com que havia de partir os dentes ao assassino.

A caçada ia começar....

- Sanica, chama mais dois cipaios. Traz a tua Mauser e vê se o Land-Rover tem gasóleo, e vamos embora!

- Senhor adjunto, o senhor administrador não tem de saber? - lembrou o cabo, em respeitoso reparo.

- Tem, pois é... vai lá dizer-lhe, mas, se estiver a dormir, deixa o recado à senhora ou ao mainato.

Entretanto, o numeroso grupo corria já em direcção ao povoado. Iam dar a nova e preparar toda a gente para a batida. Conhecedores dos caminhos secretos da mata densa, encurtavam muito os cerca de quarenta quilómetros que os separavam do Lúrio.

O Carlos não levava a Mauser, como os cipaios. Não simpatizava com aquela espera-pouco de madeira, muito menos com o seu coice demolidor. Só mais tarde lhe viria a reconhecer vantagem. No momento, preferiu munir-se duma pequena pistola metralhadora FBP que o governo lhe havia distribuído.

Já acomodados no jeep cinzento, o cabo e o adjunto na cabina e os outros dois lá atrás, na caixa larga, passaram pelo barracão do posto, para o abastecimento. Este barracão era um misto de armazém e fábrica de curtumes, um casarão de troncos de umbila e capim seco, onde, por entre tambores de gasóleo e outras mixórdias, se espalhavam as peles que o administrador Barbosa, o grande senhor da terra, ia coleccionando, sabe-se lá se para fazer jus à sua nobre condição de herdeiro do Mouzinho... Brilhantes as de jacaré, pardacentas as de itata, muito valiosas seriam as de leopardo, mas as esteticamente mais sugestivas seriam as das zebras, pelos desenhos artísticos, a duas cores: a escura, dos naturais e a branca, dos europeus.

Num canto do armazém, com as mãos sabujas de unguentos, o negro Magemba, químico de ocasião, amanhava mais uma pele de lince que ia exalando um odor horripilante...

- Não podemos demorar! A esta hora já o Matico com a sua gente está a chegar ao Lúrio...

- Ainda, senhor. Parece agora estão passar Monte Nivato. - resposta pronta do Sanica, com um sorriso sabe-tudo nos lábios gretados pela suruma, enquanto apertava a espingarda contra as cabedulas de caqui branco, domingueiro.

O jipão rosnava forte na picada estreita, cabrito da serra, de pedra em pedra. Estremecia, pulava, parava, acelerava, que o piso de matope esburacado, ondulado, mais parecia o mar encrespado ao largo de Matosinhos. Mas o Land-Rover era uma boa traineira, concebida para sulcar aqueles caminhos improvisados na selva, onde nunca haveriam de chegar os "pidacs" e os "feders" da CEE. Surpreendente era também a resistência daqueles pneus a que nem mossa faziam as constantes mordeduras de troncos salientes, espreitando, disfarçados, nos tufos de capim verde. Uma viagem assim era um verdadeiro exercício físico, ainda mais desgastante que viajar de Aveiro a Viseu na velha automotora da Linha do Vale do Vouga!.....

(continua....)


quinta-feira, 11 de outubro de 2007

CONTO ARQUIVADO

Quinta-Feira! Em passada larga a caminho de mais um fim de semana, vou aproveitar estes dias para um regresso ao passado. É o que procuro fazer, por breves espaços, sempre que o irritante matraquear deste desconsolado presente, me consome a paciência depauperada.
Dou folga às espadeiradas das "Quadraturas do Círculo", esqueço-me do, já enferrujado, bisturi do Tio Marcelo, fecho os olhos ao sorriso alvar das legiões de assessores ministeriais e afasto-me do precipício das minhas miragens do futuro, enquanto este País se vai queimando, em lume brando, no panelão de S. Bento.
Escrevi este "Conto Arquivado" nos anos oitenta, num quadro de memória de factos ocorridos em 1967, naquelas terras africanas, cujo fascínio me viu dar o salto da adolescência descuidada para a preocupada fase adulta. E, enquanto o reescrevo, dou-me conta de como o tempo, voraz e implacável, muda as coisas bem terrenas, sem interferir em sentimentos como a saudade e o prazer:



CONTO ARQUIVADO

Amanheceu depressa aquele Domingo de Outubro, 1967. No Largo do Posto, mal o sol espreitou, bochechudo, por entre os cajueiros da mata, sentavam-se velhos negros, encolhidos nas capulanas de caqui barato. Esperavam, em triste paciência, carpindo para os cipaios madrugadores todas as desventuras da sua noite mal dormida.
- Senhor, tem ali gente com milando grande! - anunciava, solene, no seu jeito sério, o Cabo Sanica, chefe incontestado dos cipaios administrativos da região.
O Carlos, ensonado e digerindo uma agitada sessão de King que se prolongara noite dentro, levantou a esteira da janela baixa e lançou um "já vou" em contrariado bocejo. O Sanica, depois de uns desajeitados e dispensáveis salameleques, foi regressando para junto do grupo.
Carlos era um jovem de 19 anos. Viera, dois anos antes, das serranias beirãs para aquele sertão africano, fascinante e medonho, belo e arrepiante, caixa grande de mistérios que, sonhador, se propusera desvendar. Os negros da área achavam graça àquele "menino branco" idealista, ao seu espírito aventureiro e despreocupado, com quem os mais novos jogavam à bola, qual fruto verde em chão maduro... Mas, talvez por isso, representava, a seus olhos, a rampa de lançamento, através da qual faziam chegar até ao Administrador de Balama a sua nave recheada de lamentações, pedidos e, mal disfarçadas, exigências. Este era já pessoa idosa, vestuta, que eles não ousavam incomodar, quiçá por respeito àquelas barbas majestosas implantadas em sisuda carranca. Era um cabo verdiano letrado, da Ilha de S. Vicente, branco ou crioulo oxigenado, e chefe duma interessante família, pessoas de esmerada educação. Quando o Carlos, ainda esfregando os olhos, foi ao encontro do ajuntamento, por entre um interminável coro de salamas, viu naqueles rostos de ébano um problema maior, bem diferente das choramingas questões a que já o haviam habituado.
- Então o que se passa? O içar da bandeira é só às oito e vocês vieram para aqui tão cedo?! - perguntou, em tom de graça para desenferrujar a língua muda do Régulo Matico, um bondoso preto de carapinha grisalha, figura influente, guia espiritual duma população numerosa e senhor num território tão vasto como o Alentejo. Era admirado pela sua sabedoria e pela verdade com que manifestava os anseios do seu povo, de que era mandatário de linhagem. - Tem garramo muito mau, senhor adjunto, está comer nosso povo! Nosso pede ajuda, está sofrer muito!.... e continuava a explicar-se, o melhor que sabia, no seu português estudado na universidade das suas rugas. Depois, todos foram dando achegas, em alvoroço: que era velho o leão solitário; entrara, noite dentro, numa aldeia do Lúrio e levara a mamana do Jamisse; mas que andava, havia muito tempo, naquela região, pois já havia saciado a sua fome carniceira em dezasseis vítimas...homens, mulheres e crianças....
- Então e só agora vem dizer-nos?!
- Ah, senhor, nosso andava a preparar armadilha, mas aquele garramo não tem bom, não. Ginga, ginga...e não deixa apanhar! - e continuaram todos a descrever as animalescas façanhas da fera.
Pelo que os desventurados negros narravam, não era nada comum o comportamento do bicho. Aqueles métodos manhosos assentavam melhor no leopardo, não no leão, um animal feroz, mas leal na sua agressividade.
Por tradição nativa, antes da imposição dos aldeamentos estratégicos, uma família agrupava-se dispondo em círculo as suas palhotas maticadas, cobertas de capim seco e porta de bambu. Surgiam assim, pela floresta, núcleos habitacionais de quatro, cinco, seis casas, em cujos intervalos brincavam os putos do clã.
Continua em próximo post...